Cesar Callegari

(Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, dia 03/07/18)

A Lei nº 13.415 do “novo ensino médio”, nascida de medida provisória de Michel Temer, é excludente, reducionista e pode acentuar as graves desigualdades educacionais brasileiras. Isso fica mais claro na proposta de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) recém apresentada pelo MEC ao Conselho Nacional de Educação. Essa Lei precisa ser revogada, a atual BNCC do ensino médio rejeitada e o tema voltar a ser debatido com a sociedade.

O Plano Nacional de Educação, de 2014, fixa a construção de uma Base Nacional que estabeleça os direitos de aprendizagem e os respectivos deveres educacionais do Estado e da Sociedade para com as crianças e jovens brasileiros. Uma Base para a equidade. Porém, na contramão do que se pensou, a nova Lei do ensino médio reduz esses direitos ao que puder ser incluído em até 1800 horas, cerca de 60% da atual carga horária. Quantos conhecimentos de matemática, filosofia, física, história e outras matérias serão excluídos do campo dos direitos e obrigações e abandonados no terreno das incertezas, dependendo de condições, em geral precárias, e das vontades por vezes poucas? Incapazes de garantir educação com qualidade, baixam a régua e rebaixam o horizonte. É inaceitável!

Na BNCC do MEC, com exceção de língua portuguesa e matemática, as demais disciplinas ficam diluídas em áreas do conhecimento, sem ficar claro o que deve ser assegurado. Direitos de aprendizagem devem ser explícitos não só quanto aos conteúdos, mas também para permitir o pensar de forma crítica e criativa. Ao abandonar a atenção aos domínios conceituais próprios das disciplinas, a proposta não só dificulta uma visão interdisciplinar e contextualizada do mundo, mas pode levar à formação de pessoas pouco qualificadas para uma cidadania contemporânea, condenadas a trabalhos simples, entediantes e mal remunerados. É isso que se quer para o país?

O atual governo faz propaganda dizendo que o “novo ensino médio” já teria a aprovação dos jovens. Não é verdade. Nenhuma mudança chegou às escolas. Alardeia a oferta de opções para os estudantes, mas na BNCC nada propõe para esses “itinerários formativos”. Sem conteúdo e estrutura, como falar de opções? Em muitos colégios não há professores suficientes, laboratórios ou internet e sobram alunos por sala de aula. Não é honesto dizer que agora os jovens terão escolhas. Seria bom que tivessem. Contudo, para a maioria, essa miragem poderá significar ainda mais frustração.

A nova Lei abre o ensino médio para oferta a distância. Pacotes EAD poderão substituir professores, dispensar laboratórios e bibliotecas. E desintegrar o território escolar de encontros, afetos e descobertas. Isso é muito grave! Não será isolado que o jovem desenvolverá valores como solidariedade, respeito à diversidade e trabalho colaborativo. Na escola se aprende também o que não está nos livros: coisas próprias da interação entre estudantes, professores e comunidade. As novas tecnologias podem e devem ser utilizadas, mas a favor da escola e não para substituí-la.

Toda a educação básica brasileira precisa mudar e melhorar. Especialmente o ensino médio. Mas o que já está ruim pode se tornar péssimo se as pretensões do atual governo se concretizarem. Nas audiências públicas realizadas pelo CNE em todo o país as críticas e protestos se avolumam. Por tudo isso é importante revogar a Lei e rejeitar a proposta de BNCC a ela vinculada. E, a partir daí, criar condições para que professores e estudantes discutam e elaborem com a sociedade os novos caminhos a seguir.

Cesar Callegari é sociólogo, membro do Conselho Nacional de Educação e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada.

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