Estamos enfrentando um tsunâmi.
Tsunâmis são formados não apenas por uma, mas por várias ondas devastadoras. A primeira onda costuma ser a mais assustadora, mas nem sempre é a pior.
No caso da atual pandemia de Coronavirus, além da tragédia do adoecimento e mortes em larga escala, todos os campos da atividade humana estão sendo duramente atingidos. Entre eles, a Educação. Contudo, é dela que mais vamos precisar para superar os impactos deste e de outros diversos maremotos. . Portanto, é uma tolice pensar que, diante do caos, a Saúde e a Economia são as únicas prioridades. A história nos mostra que é justamente nos momentos de crise que mais e melhor se deve investir em Educação.
No curto prazo, 40 milhões de crianças, jovens e adultos, seus 2 milhões de professores e suas 140 mil escolas públicas de educação básica vão precisar de apoio extra para minimizar os efeitos da longa e traumática interrupção de suas atividades. Sabemos que a aprendizagem é um processo cumulativo contínuo e sua retomada exigirá mais do que simplesmente partir do ponto em que se parou. Uma nova pauta se impõe. Será necessário um grande esforço criativo para recompor relações, superar traumas, reconquistar confiança e resgatar conhecimentos e habilidades fragilizados pelo desuso, quebra de ritmo e isolamento. Isso custa tempo, novos espaços, recursos didáticos e estratégias especiais, apoio adicional aos professores e, portanto, mais dinheiro.
Desde logo e a médio e longo prazos, o esforço será para “reinventar” a Educação como prioridade. Assim como as sociedades humanas, a partir de agora as bases tradicionais dos sistemas educativos passarão a ser questionadas. As próprias concepções de escola e aprendizagem terão que ser ressignificadas. No Brasil, depois de séculos de atraso e descaso, talvez cheguemos, finalmente, ao século XXI. Professores serão ainda mais necessários e não devem ser molestados por nada que os enfraqueça. A educação básica (infantil, fundamental e média) continuará acontecendo em espaços físicos de ação coletiva. Novos meios e modalidades, como educação à distância, podem colaborar, mas jamais substituir a escola e suas relações presenciais. Entretanto, os profissionais do magistério assim como os processos de ensino e aprendizagem serão necessariamente distintos do padrão vigente nos últimos 150 anos. Essas mudanças devem ser concebidas e implementadas com coragem e a indispensável participação de todos. Elas demandarão um gigantesco investimento na formação novos educadores e no desenvolvimento profissional de todos os que estão em atividade. E exigirão investimentos pesados na modernização e acesso aos recursos educativos, inclusive os tecnológicos. Portanto, para uma Educação como prioridade, mais dinheiro público será necessário.
Em que pesem essas necessidades, a forte retração da economia brasileira e a queda na arrecadação de impostos, consequências da atual pandemia, podem provocar um colapso com redução superior a 20% dos recursos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino público. Ou seja, uma perda de mais que R$ 50 bilhões neste ano de 2020, justo quando Estados e Municípios precisarão fazer um esforço maior para mitigar as consequências do choque nas atividades letivas. Esse tombo pode ser fatal para um setor que há muito vem padecendo da falta de investimentos adequados e que, recentemente, passou a ser ameaçado, também, com a extinção de suas garantias constitucionais de financiamento. Agora, corre o risco de ser outra grande vítima do tsunâmi.
Na emergência devemos levantar defesas. Primeiro, rechaçando a ideia tosca de que Educação disputa recursos com a Saúde. Ambas são prioritárias. Além disso, para evitar que abalos conjunturais comprometam esses sistemas, é importante criar dispositivos legais que garantam a irredutibilidade das respectivas dotações orçamentárias, mesmo quando a arrecadação de impostos diminui.
Precisamos saber como queremos sair desta crise, como seremos a partir dela e como evitar outras. Tudo isso depende do conhecimento. A Educação, a Cultura e a Ciência estão entre os propósitos mais elevados da aventura humana. Portanto, de uma vez por todas, é necessário atribuir a esses setores o status estratégico na construção de um projeto de desenvolvimento com democracia e justiça social, garantindo sua sustentação e seu fortalecimento agora e sempre.
*Cesar Callegari é sociólogo e consultor educacional. Foi secretário de educação básica do MEC (2012), secretário de educação da Cidade de São Paulo( 2013/2015) e membro do CNE. É autor de “O FUNDEB” Ed Aquariana 2015, entre outras obras sobre Educação.