2017

Cesar Callegari

Em meados dos anos 2000 eu exercia o cargo de secretário de educação de Taboão da Serra, um município situado na Região Metropolitana de São Paulo, quando ouvi um emocionado depoimento de uma professora que acabara de visitar a casa de dois de seus alunos. “Percebi que lá é o território deles, lá eles sabem das coisas. Lá eles são reis. Em sala, eles são terríveis. Mas quando entrei na casinha deles, enquanto um fazia a comida, o outro passava e dobrava as roupas da família já que mãe trabalha fora. Nem parecia que eram os dois ‘ pestinhas’ que me dão tanto trabalho! A partir daí, tudo mudou: para mim, para eles, para os pais e também para a minha escola. Todos aprendemos uns com os outros e nos tornamos mais humanos e afetivos, mais próximos e responsáveis”. Com esse depoimento essa professora do ensino fundamental nos ensinava uma importante lição: família e escola são territórios dos afetos. E se desejamos encontrar caminhos para uma educação de qualidade como direito de todos e de cada um, precisamos criar e fortalecer os laços de conhecimento, respeito e cooperação entre essas duas instituições fundamentais. Ela ainda ensinou mais: que muitas vezes não basta abrir a escola para que a comunidade participe: é preciso tomar a iniciativa, inovar, criar e buscar novas conexões sensíveis entre esses dois mundos tão próximos e, ás vezes, tão distantes. Vale a pena, disse! O fato é que, com essa disposição, ela e seus colegas educadores passaram a visitar as famílias de todos dos seus alunos (*) e foram os verdadeiros responsáveis para que, em pouco tempo e com poucos recursos, uma cidade de periferia se transformasse numa Cidade Educadora, com progressos impressionantes no ensino e na aprendizagem.

Muitas lições interessantes para um relacionamento mais efetivo entre as escolas e as famílias podem ser encontradas em todo o Brasil. Em comum, a percepção de que elas são (ou deveriam ser) complementares no esforço de educação das crianças e dos jovens, e que uma parceria profunda entre elas é absolutamente necessária. Não é tarefa fácil, sabemos. Ainda mais nos tempos de hoje em que família e escola experimentam mudanças e desafios tão perturbadores que por vezes as afastam ao invés de aproximá-las. Ambas estão em movimento, seus fundamentos tradicionais estão em cheque e vivem sob toda sorte de pressões. Essa situação, contudo, não pode nos colocar na defensiva, sobretudo nós, educadores. A defesa da escola e de seus profissionais não combina com paralisia, preconceitos e reclusão. Ao contrário: mais do que nunca, é preciso abertura, ousadia, criatividade, ação e liderança. O que, aliás, requer conhecimento.

Este livro é uma importante contribuição ao conhecimento do potencial interativo dessas instituições, na medida em que traz elementos, provoca reflexões e projeta luz na necessidade e nas possibilidades de construção de vínculos colaborativos entre escola e família como basilares do processo educativo.

Cesar Callegari

Sociólogo, consultor educacional e Presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada. Foi Secretário de Educação Básica do MEC, Secretário de Educação do Município de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Educação por três mandatos.

(*) O “Programa de Interação Família-Escola” foi criado e implementado pela Secretaria de Educação de Taboão da Serra –SP em 2005 e vigorou até 2012. O programa recebeu o Prêmio Objetivos do Milênio conferido pelo PNUD/ONU em 2006.