De uns tempos para cá, o tema empatia tornou-se mais recorrente entre os educadores. Conceito tradicionalmente presente na área da psicologia, empatia passou a ser associada a outros elementos mais habituais do mundo educacional como trabalho em equipe, inclusão, diversidade, criatividade, autoria colaborativa, pensamento crítico, protagonismo juvenil, resolução de conflitos, entre outros.
Tanto é assim que uma das 10 competências gerais preconizadas pela recém aprovada Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental indica que as escolas e sistemas de ensino devem trabalhar para que crianças e jovens sejam capazes de “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação , fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza” (Parecer CNE nº15/2017 e Resolução CNE nº 2/2017). Portanto, a BNCC sustenta que empatia é algo que pode ser estimulado, aprendido e desenvolvido no ambiente escolar. Pode sim, mas com os devidos cuidados.
Do ponto de vista dos profissionais da educação, a capacidade de compreender e saber lidar com as singularidades do processo de aprendizagem de seus alunos requer o exercício de uma forma de empatia que permite conhecer os movimentos e ritmos próprios de cada um, seus interesses, dificuldades e possibilidades. Nesse caso, empatia não é uma qualidade ou um predicado valorativo do educador: é uma prática, uma atitude, um procedimento que demanda conhecimento, método, planejamento, intencionalidade, preparo e, naturalmente, vontade, disposição e sensibilidade.
Há várias definições de empatia, muitas delas convergentes em torno da ideia da capacidade colocar-se no lugar do outro, conectar-se com aquilo que lhe é externo. Segundo algumas concepções, o esforço de empatia “tenderia” a fortalecer nos indivíduos as habilidades de diálogo. Faz sentido. Porém, esta passagem do reconhecimento para a valorização das diferenças não é trivial ou espontânea: existe todo um contexto social e histórico que a influencia diretamente. Da simples tolerância ao desenvolvimento de atitudes efetivamente não preconceituosas e colaborativas há um caminho a ser percorrido, com a criação intencional de espaços de diálogo e construção coletiva de novos sentidos e visões de mundo. O ambiente escolar precisa estar atento e ser criativo para construir a partir da empatia, em um movimento que, quando efetivo, acaba por fortalecê-la. Da parte dos educadores, são necessários disposição e preparo para a condução desses processos que geram, muitas vezes, questionamentos e reflexões incômodas e difíceis – mas necessárias.
Nesse sentido, é preciso proporcionar o conhecimento sobre a origem das diferenças e desigualdades entre indivíduos e grupos. Nas distintas etapas do percurso educativo, estudantes e professores devem ter acesso e poder problematizar as raízes históricas de tudo o que nos une e de tudo que nos separa; do que nos aproxima e do que nos distingue; como se formam as subjetividades individuais e coletivas; como se constroem e se modificam as diferentes expressões da cultura e quais são os interesses e visões de mundo que estão em permanente disputa. Esse conhecimento histórico e sociológico é direito de todas as crianças e jovens em qualquer fase escolar. Ele constituirá a base sólida do respeito e valorização da diversidade, da tolerância, do não preconceito, da capacidade de convivência colaborativa e, porque não ? da participação consciente nas disputas por espaço e por ideias. Nesse sentido, ao tratar de empatia, educadores devem ultrapassar sua dimensão meramente moral, utilitária, psicológica, emocional e individualista para avançar na amplitude de suas raízes sociais e políticas. E assim, contribuir para a formação de cidadãos capazes de exercer sua plena cidadania numa uma sociedade justa, democrática e solidária.
Cesar Callegari é sociólogo e membro do Conselho Nacional de Educação onde preside a Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular. É presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada- IBSA. Foi Secretário de Educação da Cidade de São Paulo e Secretário de Educação Básica do MEC. É palestrante e autor de vários livros e trabalhos publicados sobre educação.