Cesar Callegari

Artigo publicado na Folha de São Paulo em agosto de 2022

Em 2018, neste espaço da Folha de São Paulo, defendi a revogação da Lei 13.415/2017 que instituiu o chamado “novo ensino médio”.  Com a proximidade das eleições essa ideia volta a ser cogitada, cabendo questionar se a proposta de revogação ainda deve ser sustentada. Na época, argumentei que a reforma seria excludente, reducionista e poderia acentuar as graves desigualdades educacionais brasileiras. E defendi que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, recém apresentada pelo MEC, também fosse rejeitada. Passados quatro anos, tanto a Lei quanto a BNCC continuam em vigor e muita coisa aconteceu. A começar por dois grandes desastres: uma pandemia e a pavorosa incúria educacional do governo Bolsonaro.

Em que pesem esses flagelos, a maioria dos governos estaduais tomou medidas para a implementação da reforma. As situações são muito diversas, mas até aqui o quadro geral sugere fracassos. Direitos educacionais dos estudantes vêm sendo rebaixados, muitos jovens têm sido excluídos do sistema escolar enquanto aumentam as desigualdades em detrimento dos segmentos sociais mais vulneráveis. A redução da parte comum dos currículos para 1800 horas, conforme prevê a Lei, vem se refletindo na eliminação de conteúdos importantes de várias disciplinas. A organização curricular por áreas de conhecimento – outra novidade – não tem sido acompanhada de investimentos na formação docente, revelando-se casos de flagrante improviso onde professores de biologia são obrigados a dar aulas de física sem nenhum conhecimento sobre a matéria. Na mesma linha, a miragem de que os jovens poderiam optar entre vários itinerários formativos mostra-se um festival de arremedos e frustrações. Na maioria das escolas essas opções são reduzidas ou inexistentes e raramente dispõem de educadores com formação e equipamentos adequados ao seu trabalho. Na falta de profissionais e infraestrutura, algumas redes, como a do Paraná, apelam para simulacros de aulas a distância, sob protesto dos estudantes. Outras, como a de São Paulo, respondem a ações judiciais pela escandalosa falta de professores

Diante desse quadro, justifica-se a revogação da Lei e sua proposta de reforma? A resposta deve ser não, ainda não. Políticas e programas educacionais podem ser modificados ou até extintos, mas não sem, antes, uma rigorosa avaliação. E jamais sem a apresentação de uma sólida proposta substitutiva. Pois são políticas públicas, envolvem recursos públicos, mobilizaram milhões de pessoas que enfrentaram problemas, criaram soluções e, por isso, merecem consideração criteriosa.

É preciso reconhecer que uma reforma do ensino médio continua sendo necessária e urgente no Brasil. Dos jovens que conseguem concluir essa etapa, só 10% adquiriram conhecimentos suficientes em matemática e apenas 37% em língua portuguesa, situação agravada pela pandemia. Contudo, no instante em que se discutem as diferentes propostas eleitorais, o verbo correto é ‘rever’ o atual modelo de reforma do ensino médio a partir de um amplo diálogo com professores, estudantes, pesquisadores e gestores. E, com base nessa experiência, construir uma proposta alternativa na perspectiva de um pacto nacional pela educação de qualidade como direito de todos.

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Cesar Callegari é sociólogo e Presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada. Foi Secretário de Educação Básica do MEC (governo Dilma), Secretário de Educação do Município de São Paulo (gestão Haddad) e membro do Conselho Nacional de Educação onde presidiu a Comissão de Elaboração da BNCC.