Mais uma vez, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo aceitou – inconstitucionalmente – a inclusão de gastos com aposentadorias e pensões nos recursos mínimos que o governo paulista tem obrigação de aplicar para atender a mais de 3,5 milhões de alunos nas mais de cinco mil escolas da sua rede pública de ensino.
Ao apreciar as contas de 2018 dos ex-governadores Geraldo Alckmin e Márcio França, os Conselheiros decidiram dar mais cinco anos de prazo para exclusão dos gastos com inativos indevidamente computados como se fossem manutenção e desenvolvimento do ensino. Com essa nova decisão, até 01/01/2024 será feito de conta que despesas com a função seguridade social equivalem a gastos com educação.
É espantosa a alegação de que acabar com essa ilegalidade seria um problema complexo demais para ser resolvido rapidamente, como se esse problema fosse recente. Há mais de 20 anos são conhecidos e impugnados a sonegação bilionária de recursos do piso estadual em educação e o desvio dos fundos de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização do magistério (anterior Fundef e atual Fundeb) usados para cobrir rombos previdenciários.
No ano 2000, a CPI da Educação da Assembleia Legislativa de São Paulo já comprovava esses e outros desvios e sonegações perpetrados entre 1995 a 1998. Assim, podemos afirmar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, nunca foi cumprida pelos sucessivos governadores paulistas que embutiram despesas relativas a aposentadorias e pensões dentro do gasto mínimo em educação e dentro da aplicação dos recursos do Fundef/Fundeb.
Só nos últimos oito anos, cerca de R$44 bilhões (em valores corrigidos pelo IPCA) foram desviados para a cobertura de insuficiência financeira da SPPrev (entidade responsável pelo regime próprio de previdência dos servidores estaduais paulistas), dos quais aproximadamente R$ 28 bilhões vieram do Fundeb.
Décadas se passaram no Estado mais rico da federação e agora, a pretexto de gerir escolhas trágicas diante da crise fiscal, negou-se, de novo, o estrito cumprimento à Constituição Federal, à Constituição Estadual e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Todos sabem que é inconstitucional e ilegal, mas adiam a resolução do problema para o próximo governante, ao custo da má qualidade da educação básica estadual e da ocultação contábil do passivo previdenciário.
As consequências desse desfalque são gravíssimas. Um jovem egresso do ensino médio paulista sai da rede pública estadual sabendo o equivalente ao esperado para a nona série do ensino fundamental. Em matemática, só 10% têm conhecimentos satisfatórios e apenas 33% sabem o suficiente de língua portuguesa. Há índices alarmantes de evasão escolar, precariedade estrutural e superlotação das salas de aula, contratações temporárias em excesso e falta de valorização dos profissionais da educação, dentre outros dados que atestam a crise educacional paulista.
Em 2015, os estudantes se manifestaram ocupando as escolas. Talvez agora, eles e seus professores devessem também “se ocupar” na defesa dos recursos constitucionalmente vinculados à educação básica. Se as mobilizações contra os cortes no ensino superior foram capazes de impugnar e até judicialmente reverter o contingenciamento que atinge as universidades federais, com maior ênfase ainda é preciso desvendar o custo da ignorância imposto aos milhões de crianças e jovens da educação básica paulista por essa bilionária, histórica e inconstitucional sonegação dos recursos a ela vinculados.
Não podemos aceitar o faz-de-conta que sacrifica o presente e o futuro da educação pública para ocultar o passivo previdenciário mal resolvido ao longo dessas últimas décadas de pedaladas educacionais em São Paulo.
Cesar Callegari
Elida Graziane Pinto