2019
Cesar Callegari
O ministro da economia Paulo Guedes anuncia uma PEC destinada à desvinculação total dos recursos orçamentários que a Constituição Federal hoje protege e direciona para setores estratégicos como a educação. Para ele, é preciso acabar com o que chama pejorativamente de “chiqueirinhos”.
O “chiqueirinho da educação” é instituído pelo Art. 212 da CF determinando que a União aplique no ensino público pelo menos 18% de sua receita de impostos; já os estados e municípios, no mínimo 25%. Na educação básica, 40 milhões de crianças, jovens e adultos, seus 2 milhões de professores e suas 142 mil escolas dependem desses recursos que, como sabemos, são insuficientes. O investimento brasileiro em educação (6% do PIB) está muito abaixo do que é preconizado pela Lei do Plano Nacional de Educação (10% do PIB). Em consequência, o gasto per capita na formação escolar de um jovem brasileiro (US$ 3837) é menos da metade da média dos países membros da OCDE (US$ 10.106). No Brasil ainda há 1,5 milhões de crianças e jovens fora da escola e a remuneração dos professores é 30% mais baixa do que a de outros profissionais com o mesmo nível de formação. Além disso, as iniquidades são gritantes. Apenas 14% das crianças pobres brasileiras aprendem a ler ao final do ciclo de alfabetização, aos 8 anos de idade. Entre os jovens, só 9% dos que concluem o ensino médio têm os conhecimentos adequados em matemática, essa taxa caindo para 3% entre os mais pobres.
Investir mais, melhor e com regularidade é a chave para o enfrentamento desses problemas. Graças ao fluxo regular de financiamento garantido por Lei temos conseguido avanços importantes. Nossas universidades públicas cresceram, são muito melhores do que as particulares e quase tudo o que produzimos em ciência e tecnologia depende delas. Praticamente universalizamos o ensino fundamental e já ultrapassamos as metas de IDEB para os anos iniciais. Há muitos exemplos de êxito: as matrículas em creches dobraram nos últimos anos; o Estado do Ceará é referência em alfabetização na idade certa; e Pernambuco se tornou um paradigma no ensino médio. Tudo isso só é possível porque os gestores sabem que podem contar com o “dinheiro carimbado” da educação. E que, ao construir escolas ou ampliar vagas nas universidades, poderão contratar professores e matricular alunos, assumindo com eles responsabilidades duradouras e, até certo ponto, protegidas das oscilações e descontinuidades próprias da conjuntura política.
A proposta de Guedes passando para os políticos federais, estaduais e municipais a livre decisão, ano a ano, sobre o montante do orçamento a ser destinado para o ensino público, cria uma grave instabilidade e pode reduzir ainda mais os recursos disponíveis para o setor. Em um país em que alguns veem a educação como ameaça, não seria incomum ela ser preterida no jogo de interesses políticos menores. Neste momento, todo cuidado é pouco. Lembrando que nossa tradição de garantir essas verbas na legislação vem do final do século XVIII e só foi interrompida, sintomaticamente, nos períodos ditatoriais de Vargas e dos militares.
É preciso entender que Educação é política de Estado, de longo prazo, e não apenas de governo. Educação é direito, não é mercadoria e seus recursos não podem ser convertidos em moeda flutuante em disputas político-partidárias. Defender as vinculações constitucionais, mantendo e aperfeiçoando mecanismos de distribuição dos recursos educacionais, como o FUNDEB, é tarefa que se impõe a todos os que se preocupam com o futuro de nossas crianças e jovens: com o futuro do Brasil.
Cesar Callegari é sociólogo. Foi Secretário de Educação Básica do MEC e Secretário da Educação da Cidade de São Paulo. É autor de “O Fundeb”(Ed. Aquariana, 2010).